BATES DO BRASIL - de porto seguro a fim de papo!
Claro que - conforme
vaticínio do meu pai - fiz muitas bobagens nessa minha vida de vendedor.
Umas pequenas, outras grandes. Nunca fiquei no médio (ou no cinza). Para fazer
uma “m....” grande, me sobrava competência.
Depois de
muito “ralar” meu pai conseguiu aquela que veio a ser, até o final da sua vida,
a melhor representada da R. PASSOS: a BATES BAGS VALVE CORPORATION OF BRASIL,
posteriormente denominada, BATES DO BRASIL S/A.
Com seu
esforço, dedicação e competência, ele posicionou a BATES, como o maior e melhor
fornecedor de máquinas para ensacar e sacos de papel do nosso estado (Bahia),
principalmente os multifolhados destinados à embalagens de: cimento, cal de
pedra, calcário, derivados de cacau (licquor e powder), e posteriormente, baler
twine (cordas de sisal), resinas
termoplásticas (polietileno,
polipropileno, pvc, etc.), e sacos para saída de supermercados.
Como
consequência, desde que me entendo como “gente” tivemos um bom padrão de vida.
Cresci ouvindo
suas conversas com minha mãe sobre os negócios que realizava para a BATES, e
conhecendo os diretores e clientes que, volta e meia eram convidados a almoçar
na nossa casa.
Quando me
tornei vendedor, senti o mesmo gosto em vender esses produtos, e aos poucos,
fui conseguindo levar para nossa firma, novos, pequenos e grandes clientes.
A idade
média do representante da BATES na época, era, no mínimo, duas a três vezes a
minha, e eu era visto pelos clientes, gerente e diretores da BATES, como um
garoto que trabalhava bem, o que não podia ser diferente, pelo pai que tinha. O
“velho” era conhecido pelo rigor com que lidava com qualquer situação. Para
ele, tudo era: certo ou errado!
O presidente
da BATES, era um americano, que “diziam as más línguas” era um neurótico de
guerra, que havia sido piloto durante a segunda guerra mundial. Seu nome:
William Augustine Culhane. Não conheci nenhum empregado, ou representante, que
gostasse dele, ou dele falasse bem. Nos corredores da empresa, era comum se
ouvir piadas com o seu sobrenome.
Nos últimos
anos da vida do meu pai, presenciei várias vezes, ou pessoalmente ou por
telefone, usar de ironias para tratar de assuntos sérios, além de muitas vezes
ser grosseiro com o meu pai, que ficava arrasado, a cada uma das “patadas” do
presidente.
Não lembro
de outra pessoa com quem meu pai tivesse tanta tolerância.
Hoje entendo
que, como se tratava do nosso maior negócio, era necessário tolerá-lo, para que
preservássemos o contrato de representação, em benefício da nossa empresa e da
nossa família.
Eu era um
tanto quando “ousado”, e sempre que acontecia eu estar com o “dito cujo”,
procurava falar o mínimo possível.
Lembro que
certa feita, havia uma reunião de vendas na fábrica da Bates, de Recife, e como
meu pai não pode ir por algum motivo, me escalou para representar nossa firma.
A reunião
ocorreu na parte da manhã, e, após seu término, fomos todos a um restaurante
almoçar.
Quando o
garçom perguntou ao Sr. Culhane, o que ele gostaria de beber, ele respondeu:
- Água
mineral sem gás.
E a partir,
daí, todos pediram água. Quando o garçom me perguntou, respondi:
- Um Chopp!
Foi o maior
silêncio na mesa!
O presidente
me olhou com cara de “meia-raiva”, como diria o seo Mamede Paes
Mendonça, e o Diretor Regional, Dr. Mário Freire, grande amigo do meu pai,
ficou vermelho e sem graça. Não
satisfeito, quando terminei de beber o primeiro copo, pedi um segundo.
Todo este
relato é para tentar definir com era o Sr. Culhane, seus modos e maneiras e sua
relação com subordinados e representantes.
Infelizmente,
no dia 03 de maio de 1978, meu pai veio a falecer, vítima do rompimento de um
aneurisma cerebral, ocorrido quando visitava uma empresa no Polo Petroquímico
de Camaçari, nossa cliente de sacos de papel multifolhados da Bates do Brasil.
A vida
continuou, e o meu desconforto em tratar com o sr. Culhane, cada dia maior.
Vez por outa
comentava com a minha mãe que eu estava muito insatisfeito com a companhia, que
a cada dia aumentava mais seus preços, permitindo a entrada de diversos
concorrentes, e ela, sempre me pedia paciência, que a Bates sempre foi muito
importante nas nossas vidas, etc., etc., etc.
Até que um
dia, fui chamado pelo diretor da CPC – Companhia Petroquímica de Camaçari, hoje
BRASKEM, que me pediu uma proposta para a compra de embalagens suficientes para
um ano de produção. Era para ser o maior pedido do ano! Não lembro qual a
quantidade, mas era muito grande.
Voltei para
o escritório, e, por telex, pedi ao diretor de vendas, sr. Amicis Cunha, o
preço que deveria cotar. Na época, os preços eram reajustados de acordo com
portaria do governo (CIP-Conselho Interministerial de Preços). Os
pedidos eram fechados por um preço, que era automaticamente reajustado, quando
da entrega. Assim, as compras por períodos longos, eram comuns.
O diretor
demonstrou preocupação ao invés de alegria, como eu imaginava que seria sua reação.
E me falou que precisaria da autorização do presidente para participar daquela
concorrência.
No dia
seguinte, por telex, me mandou cotar apenas, uma quantidade inferior a 10% da
solicitada.
Fiquei
indignado e liguei para ele, que me respondeu que, infelizmente, a ordem do
presidente era essa, e que ele não podia fazer nada. Pedi para falar com o
presidente, para tentar melhorar um pouco aquela situação, e ele, de forma curta
e grossa me falou:
- Sr.
Passos, a Bates prefere ganhar dinheiro aplicando no open-marketing, que
fabricando sacos de papel.
Eu
perguntei:
- E nós?
Seus representantes? Vamos ganhar comissão sobre suas aplicações.
Ele deu uma
gargalhada e desligou telefone.
Fiquei
arrasado. E com muita raiva. Afinal, a grande comissão para a qual trabalhara e
planejara ganhar, virou pó.
E aí, é que
aconteceu o fato que deu nome a este texto!
Eu estava
num sexta-feira, à tarde, no meu escritório, quando recebi uma ligação da
secretária do presidente, que falou:
- Sr.
Passos, o Sr. Culhane pede para avisar que irá a Salvador no próximo domingo;
seu voo chegará às 13 horas, e é para o senhor ir buscá-lo, para levá-lo ao
hotel Meridien.
Infelizmente,
o sangue me subiu à cabeça, e eu respondi:
- Por favor,
diga ao sr. Culhane que, às 13 horas do domingo, poderei ser encontrado na barraca
Mordomia, na praia de Piatã. A esta altura, já devo ter bebido bastante
cervejas. Se ele quiser aparecer, avise.
Ela, ficou
muda. Demorou um pouco, e, incrédula, perguntou:
- Sr.
Passos, o senhor estava falado comigo?
- Sim
senhora. Vou repetir:
- Por favor,
diga ao sr. Culhane que, às 13 horas do domingo, poderei ser encontrado na barraca
Mordomia, na praia de Piatã. A esta altura, já devo ter bebido bastante
cervejas. Se ele quiser aparecer, avise.
Depois eu
fiquei até com pena da senhora secretária, uma americana também. Imaginando
como ela teve dificuldade em dar a minha resposta ao “animal”.
- Entendi.
Direi a ele! E desligou.
Passado
algum tempo, recebo outra ligação daquela senhora;
- Senhor
Passos, o sr. Culhane não irá mais a Salvador. Gostaria que o senhor estivesse
às 08:00h de segunda-feira, no Hotel Meridien, para tomar o café da manhã com o
sr. Cunha, nosso diretor de vendas.
- Combinado.
Estarei lá!
Segunda-feira,
na hora marcada ouvi o sr. Cunha me falar:
- Mas rapaz!
Você é maluco? O homem está muito chateado com você!
E eu:
- Não mais
do que eu, dele!
- Tenha
paciência. Ele é assim mesmo!
- Sr. Cunha,
neste momento eu estou comunicando ao senhor que não quero mais ser
representante da Bates. Em respeito à memória do meu pai, a partir de hoje,
estou dando um aviso prévio de três meses, para que vocês nos substituam. E
mais, se quiserem eu indico um vendedor nosso para ser o próximo representante,
já que ele está treinado, e conhece bastante os clientes.
- Não faça
isso! Tudo indica que brevemente nossa empresa vai ser vendida para um grupo
nacional, e ele voltará para os Estados Unidos.
- Amigo. Sem
chance. Já tomei a decisão, desejo tudo de bom à empresa, ao senhor e aos
demais colegas, mas não tenho mais nenhuma possibilidade de continuar. Quero,
sinceramente, do fundo do meu coração, que o sr. Culhane vá para a ponte que
partiu. Suma! E não apareça nunca mais na minha vida!
Hoje, com 72
aninhos nas costas, tenho dúvidas se faria assim novamente. Mas, foi
verdadeiramente um fim de papo no meu porto seguro!
Rubem Passos Segundo
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