A vez em que o gringo conheceu o que a Bahia tem

Meu pai também era meu patrão. Não me dava mole de jeito algum.

Sexta-feira de carnaval, 1970, eu já devidamente planejado, sairia no TOP 69. No escritório, após o almoço, ele sentencia:

 

Amanhã, eu e sua mãe vamos viajar para passar o carnaval, e você vai ao aeroporto receber um americano, George, auditor da St. Regis Paper. Ele gosta de museus e igrejas, e volta para São Paulo na segunda. Nem preciso dizer que a diretoria recomendou que o tratássemos MUITO BEM, tá compreendendo?

 

Sim, respondi, P. da vida!

 

Dia seguinte, estava no aeroporto, esperando o tal gringo. Ele tinha uma cara que lembrava um cão São Bernardo, calçava sandálias tipo franciscanas e trazia nas costas um enorme equipamento fotográfico.

 

Fomos embora pela orla no meu Fusca 66, verde. E eu, pensando como poderia arranjar uma dor de barriga para me livrar do meu inesperado visitante. Quando fomos chegando na Pituba, propus apresentá-lo ao acarajé. Ele aceitou.

 

Pedi para colocar pimenta e ele consentiu. O cara comeu o acarajé suando, mas feliz. Estava adorando, e comia pimenta como gente grande. Minha esperança, ainda era que ele tivesse a dor de barriga.

 

Seguimos em direção ao hotel, quando ele saca de um livro em inglês e me diz: Eu quero comer aqui! O gringo já tinha me mandado tirar o senhor do tratamento, e caiu fundo numa moqueca de peixe sugerida por mim. E tome-lhe pimenta e cerveja. Eu já tava me animando. “Vou botar esse gringo pra pular carnaval”, pensei.

 

Subimos o elevador Lacerda e fomos em direção à Praça Castro Alves. Ao passar numa loja, vimos um manequim vestido com uma mortalha. Não deu outra. George comprou a roupa para irmos para uma festa à fantasia que aconteceria naquela noite. Uma beleza! O gringo, sério, auditor temido, branco que nem neve, vestido de mortalha, onde se lia: EU SOU A MOSCA QUE POUSOU EM SUA SOPA!

 

Às 22 horas fui buscá-lo para levar ao Baiano de Tênis, onde teríamos o famoso sábado de carnaval onde só sócios eram permitidos. Eu era, mas o meu amigo não. Como o porteiro não iria liberar, entrei na fila com George na minha frente e disse: Quando chegar na borboleta, eu lhe empurro e você corre, OK? Fui chegando, e quando o gringo encostou a barriga na borboleta eu gritei: CORRE! E ele se mandou de mortalha e eu atrás. Entramos no rinque e saímos pulando.

 

A noite foi só alegria: pular, paquerar e beber cerveja. Conclusão: eu fiquei de porre e perdi o George!

 

Dia seguinte, quando acordei, era hora de ir para o Campo da Pólvora, para a saída do TOP 69! Liguei para o Hotel e descobri que George já tinha saído! Mesmo assim, fui para o bloco.

 

Lá pelas três da tarde, passando pelo relógio de São Pedro, uma pessoa me cutuca e me mostra o gringo que estava me gritando! Ele estava com a supermáquina pendurada, a mesma mortalha, um pé de sandália com meia, e outro sem. Botei ele pra dentro do bloco lá ficamos até o final do dia. Depois fomos até o hotel onde me despedi dele.

 

Quando meu pai chegou, eu economizei nas cores, disse que tinha feito tudo direitinho, e continuei na expectativa do relatório da matriz para ver se continuava ou não empregado.

 

Segunda seguinte, meu pai recebeu um telefonema do Presidente da empresa, agradecendo, dizendo que George me elogiou muito e tinha deixado um envelope para mim.

 

Era uma carta e uma moeda de um dólar de uma serie comemorativa, um mimo como recordação de um dos dias mais incríveis que ele tinha vivido.

 

E eu também!

 

 

 

Rubem Passos Segundo

Salvador 25/06/2013

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