PETIROSKA – agora é assim que se pede!

Segundo semestre de 1985, em data que não recordo, fui convocado para uma reunião de vendas na CINZANO, em São Paulo, empresa da qual era o representante para os estados da Bahia e Sergipe.

 

Na pauta, lançamento da campanha de vendas para o quarto e mais importante trimestre do ano, para o setor de bebidas alcoolicas.

 

Local, dia e hora marcado, ali compareci junto com vendedores e representantes de todos os cantos do país.

 

Comandada pelo diretor comercial, a primeira parte foi usada para avaliação dos numeros dos trimestres anteriores, e premiação dos profissionais que mais se destacaram no período.

 

Na sequencia, o principal tema da reunião: campanha de vendas para o ultimo trimestre do ano de 1985.

 

Envelope com os objetivos de cada um foram distribuidos, com a observação que só deveriam ser abertos quando autorizados, o que ocorreu em seguida.

 

Lá estava o regulamento e a relação de todos os produtos que a empresa produzia ou distribuiam, os objetivos de vendas para cada um deles, e logo abaixo, uma observação: o item tal é considerado eliminatório. Ou seja, por mais que voce vendesse os demais itens, caso não atingisse a meta definida para aquele item especifico, voce seria desclassificado para efeito da premiação que em seguida seria informada.

 

Então o diretor usando a tecnologia disponivel na época, anunciou:

 

O gerente, o vendedor-empregado e o representante das regiões definidas, que atingissem o maior percentual de vendas, acima da quota que lhe coubesse, seriam convidados a assistir a primeira fase da COPA DO MUNDO DE FUTEBOL, a ser realizada no mês de junho do ano seguinte, 1986, fazendo parte de uma comitiva que incluiria diretores e clientes da empresa. Cada um dos premiados, deveria convidar dois dos seus melhores clientes para acompanhá-lo na viagem ao MÉXICO, com todas as despesas pagas.

 

Imaginem o clima que se instalou entre os presentes! Pura euforia!

 

Aí foi a hora de cada um ler o que estava escrito, e o que lhe caberia como tarefa, para ganhar – não só os valores de comissões a que fariamos jus – como a premiação final.

 

O segundo e terceiro lugar também ganhariam algum premio, mas, confesso, não lembro o que.

 

Ao ler o conteudo do meu paper, lá estava o que deveria ser, a confirmação de que, por mais que eu consiguisse vender os demais itens, não deveria conseguir vender o eliminatório.

 

Estava escrito:

 

Ítem eliminatório: Vodka: Quantidade mínima a ser vendida: X
caixas

 

Na minha região, eu nunca havia conseguido vender nenhuma caixa de vodka, simplesmente porque nossas marcas eram totalmente desconhecidas, e seus preços considerados inviáveis para concorrer com as então marcas-líderes.

 

Resumo: As marcas de vodka que faziam parte da minha missão, nem eram conhecidas e seus preços, incompatíveis com os praticados pelo mercado. E o volume pretendido estava totalmente distante do que, por mais que eu quissesse, poderia vender.

 

As quantidades informadas como quotas para os demais itens: vermoutes, whisky, champagne, vinhos, e alguns itens mais que já não recordo, eram dificeis, mas não impossíveis. E eu confiava no meu “taco”!

 

Meio desanimado, voltei para Salvador, e continuei o meu trabalho, um tanto descrente da possibilidade de ir ao México, até que, como todos os anos aconteciam, fui cuidar de confirmar reservas e passagens para o Rio de Janeiro, onde iria acontecer dentro de alguns dias, a Convenção Nacional ABRAS, Associação Brasileira de Supermercados, como todos anos acontecia.

 

Evento importante para todos que trabalhavam neste segmento, fornecedores e clientes, onde o importante seria circular todos os dias na área montada para exposição de produtos dos maiores fabricantes do Brasil. Lá estavam praticamente, todos os clientes e fabricantes. Eu sempre consegui bons resultados neste evento. Graças ao meu Pai do Céu, que fazia absoluta questão de sempre estar ao meu lado.

 

E, assim, ao avistar o presidente da Cinzano, o estalo de Antonio Vieira, fez um replay na minha cabeça! Abordei-lhe imeditamente, e pedi um momento para conversar um assunto confidencial! Ele estava acompanhado de outras pessoas, e me falou: - OK. Falamos mais tarde!

 

Final da tarde, já tinha ruído algumas unhas, quando voltei a encontrar o presidente, que me perguntou qual o assunto. Então, mandei essa:

 

- A empresa Paes Mendonça - então maior cliente do nordeste – criou uma nova rede de pequenos supermercados, instalados em diversos bairros da cidade de Salvador, e está privilegiando produtos com marca própria. O Diretor comercial me propôs produzirmos com exclusividade para eles, uma marca de Vodka, utilizando o mesmo produto que engarrafamos com a nossa marca de preço mais baixo.

 

- E qual seria a marca? perguntou

- Vodka PETI!  respondi sem pestanejar

 

Ele parou um pouco, e falou:

 

-Loucura! NInguem faz isso!

 

E eu

 

-Pois é. Mas, se não o fizermos, outra empresa, certamente fará.

 

Ele me pegou pelo braço e disse, vamos andar.....

 

Algum tempo depois, encontrou que procurava.  O diretor de atendimento da Norton, agencia de propaganda que à época, atendia a conta da Cinzano.

 

Explicou a idéia, e disse para pegar os detalhes comigo e se afastou. Conversei um pouco com o publicitário e ele anotou o “briefing” que passei ali mesmo.  Me comprometi tão logo chegasse a Salvador, mandar a marca do cliente, e uma segunda identificação da marca, que era a figura de um capoeirista.

 

Isto tudo, pedindo a Deus, que nem o presidente nem o publicitário, comentassem com o diretor da empresa-cliente, o que eu estava aprontando.

 

Amigos, passados talvez uns dez dias, recebi uma ligação do Diretor de Vendas da Cinzano, informando o número de conhecimento áereo, que se referia a amostra com a sugestão da embalagem da “minha” vodka. Deveria chegar a Salvador no dia seguinte no final da manhã.

 

Quase não consegui dormir, tal a ansiedade que estava. Adrenalina pura, que toda venda “trabalhada” provoca.

 

Cheguei ao aeroporto quase ao mesmo tempo que a amostra.

 

Fui para o meu carro, desembrulhei o pacote, e encontrei um caixa de madeira compensada, que abri, e dentro, protegida por várias camadas de papel de seda, la estava ela: a novíssima e sensacional VODKA PETI!

 

A criação fora perfeita: Puseram um brazão incrivel, encimando a marca, e no rodapé, o tal capoeirista. Ficou realmente, uma beleza!

 

Dispensei qualquer possibilidade de almoçar, e fui diretamente ao escritorio de compra do cliente, que ficava na saída da cidade.

 

Nem subi.  Fiquei no estacionamento de olho no carro do diretor, que conhecia, e quando ele chegou, fui ao seu encontro e falei: - preciso falar com o senhor, agora, e não posso aguardar a ordem de chegada! – Vamos então, ele repondeu; e subimos juntos a escada e entramos direto na sua sala.

 

Enquanto ele ainda estava tirando o paletó, disparei:

 

- Qual é a marca de vodka que sua empresa mais vende?

Ele

- Vodka X

 

E eu:

 

- Vendia!!!  Porque a que vai vender mais a partir de agora é esta......

 

E tirei gloriosamente a amostra da caixa e coloquei-a à sua frente.

 

Ele abriu um largo sorriso e falou, sem se conter: Ficou Linda!!!!!!!

 

- Pode tirar o pedido. Quero tantas mil caixas (o equivalente a pelo menos duas vezes a quantidade prevista como minha quota eliminatória).

 

Escrevendo isto hoje, 35 anos após, ainda sinto uma sensação de ter feito um “gol de placa”!

 

Agradeci, pedi para ele dar um visto no rótulo da garrafa, aprovando-o, e disparei para o escritório: Como diria Chico Buarque: ..agora eu era o REI.  E estava com os dois pés no MÉXICO!!!!

 

Chegando no meu escritório fui recebido com o aviso da minha secretária: é para ligar com urgencia para o diretor  comercial de Paes Mendonça.

 

Gelei? Novamente? E agora? Se arrependeu? Vai diminuir o pedido?

 

Liguei em seguida,

 

Do outro lado a linha: falamos tudo, menos de preço. Qual é o preço da garrafa?

 

Incrível!!!!  Eu não sabia!!! 

 

- Desculpe, senhor, eu também não sei, mas pode ficar tranquilo que é excelente e te informo daqui a pouco.....

 

Desliguei e em seguida liguei para a Cinzano em São Paulo, e falei:

 

- Acho que vai dar para fazer negócio, mas o problema é prêço!!! Qual o menor preço que conseguimos fazer para tantas mil caixas?

 

- O que? Tudo isso? Vai acabar dando problemas se não vender.

 

- Fiquei tranquilo, vai vender e pedir mais.

 

Logo me passou o prêço, excelente por sinal. Informei ao cliente e o pedido foi confirmado.

 

A cobertura com folga do restante da quota, não produziu maiores emoções. Vendi tudo e mais alguma coisa.

 

Passados os feriados de final de ano, férias, etc., veio o convite para nova reunião de vendas, apresentação de resultados e divulgação dos nomes dos colaboradores que iriam assistir a primeira fase da COPA DO MUNDO DE FUTEBOL de 1986.

 

Não deu outra: o representante que cobriu todas as quotas com o maior indice percentual acima do objetivo foi:

 

R. Passos – Bahia, o nosso amigo Guga!

 

Nesse momento, o gerente regional sudeste pede a palavra e diz: discordo do resultado, com todo o respeito. Ele cobriu a quota do item eliminatório, com um produto que não estava na nossa linha! Enão só ele teve esta chance!

 

Então, o diretor comercial explicou:

 

- Não foi assim, fulano! O nosso amigo Rubem LEU o regulamento!  Não colocamos as marcas das nossas vodkas no texto do concurso, nem nas quotas. Ele percebeu, e aproveitando a nossa falha, criou a marca vencedora! Afinal, o produto, o líquido, a vodka, faz parte da nossa linha sim, só que com outra marca.

 

E aí, feliz da vida, voltei para Salvador, para aguardar a chegada do pedido, e ao mesmo tempo, ir planejando minha ida ao México, começando por convidar os dois clientes que iriam comigo.

 

Como sempre gostei de “correr”, resolvi acrescentar um pouco mais de criatividade, para ajudar na venda da quantidade grande que acabara de ser entregue.

 

Sem autorização do cliente, procurei a diretora de atendimento da agencia que o atendia, levando uma garrafa de amostras, e apenas “sugeri”:

 

- Se voce criar uma campanha para venda desta vodka e apresentar ao cliente, tenho quase certeza que voce fará um bom negócio!

 

Não deu outra. Poucos dias depois, ela me ligou pedindo para eu ir à agencia e dar um olhada.

 

Sensacional: O slogan da campanha era: PETIROSKA – AGORA É ASSIM QUE SE PEDE!!!

Plano de mídia adequado, com outdoors, video na tv, rádiom jornal e materiais de ponto de venda. 

 

Me convidou para ir com ela apresentar, mas declinei, porque sabia que esta seria uma nova e boa briga!

 

Não demorou, recebi um ligação do cliente,  que, meio bravo, meio irônico falou:

 

- Desde quando o senhor tem autorização para encomendar campanhas publicitarias para nossa empresa?

 

- Eu não encomendei nada. Eu apenas sugeri! O sr, não tem que fazer nada. Só fará se quiser!!

 

- Como não fazer? Está muito boa, não faça mais isso, mas estou aprovando a campanha.

 

No final, todo o pedido foi vendido, o produto passou a ser vendido em todas as redes da empresa, e por fim a Cinzano, pediu autorização para incluir a marca no seu protfolio, visando o grande mercado para aquela faixa de produto, do interior de São Paulo.

 

Pois é!

 

Fui ao México, a maior parte do tempo ficamos em Guadalajara,  visitamos Puerto Vallarta e Cidade do México. Assistimos  a primeira fase da copa, curtimos muito na companhia de diretores e dos maiores clientes do país, e voltamos felizes para casa. Infelizmente, o Brasil não foi campeão!

 

Afinal, não podemos ganhar todas, não é?

 

 

Salvador, 20/07/2020

 

 

 

 

Rubem Passos Segundo

rubem@rpassos.com.br

rubem@rp2solucoes.com.br

www.amanhavaiseroutrodia.blog.br

 

 

 

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