Profissão: Vendedor (...e na Bahia!)
Comecei a minha vida de vendedor aos 16 anos, como castigo imposto pelo meu pai.
A
opção era: ou continuava no Colégio Militar onde entrei contra a sua vontade,
pois ele achava - e com razão - que não ia dar certo; ou saía, passava a
estudar a noite e trabalhar durante o dia, como vendedor da sua firma, R.
PASSOS & CIA. LTDA;
O
Companhia Limitada, era minha mãe!
E
assim, passei um tempo acompanhando-o, - à
época representante de grandes indústrias de embalagens - em visita aos clientes,
na sua maioria, as maiores empresas da Bahia, como Cimento Aratu, Barreto de
Araújo, Baroid, Chadler, etc.
Fiquei
fascinado com a simplicidade com que ele entrava nas salas dos diretores, fechava
negócios, almoçava com eles, jogava tênis, etc.
Pensei:
M O L E Z A. Essa eu tiro de letra!
Findo
o estágio, o meu pai me disse: O que você conheceu, são os MEUS clientes. Faça
os SEUS!
Desapontado
e preocupado, pensei: O que fazer?
Na
época, representávamos também a divisão de Papel Celofane da Votorantim, e
apesar de grandes clientes industriais como a Suerdieck, havia os revendedores
de miudezas que eram clientes naturais para o produto. Era por ali que iria
começar.
Primeira
visita: 16 anos, paletó - de ombreiras - e gravata, fui em um rua
transversal da Rua Chile visitar um firma que vendia artigos para festas e aniversários.
Fui atendido depois de aguardar umas 2 horas assistindo o proprietário vender
aos seus clientes. Quando finalmente, ele se dignou perguntar o que eu queira,
gelei, gaguejei, e quando consegui pronunciar a palavra Celofane, ele
simplesmente, me pediu o mostruário, que era uma pequena cartela de cores,
perguntou preços e detonou:
-
ANOTE AÍ O PEDIDO!
E
foi um SENHOR PEDIDO! Ele havia assumido algum compromisso grande, e PRECISAVA
comprar.
Após
assinar o pedido, o cliente me perguntou:
-
O que você é do Sr. Passos?
Respondi
(suando): - vendedor!
E
ele:
-
Então diga a ele para arranjar um lugar para você de datilógrafo na firma, e
da próxima vez me mande um VENDEDOR!
Aí é que eu suei mesmo. Fique
encharcado!
Lógico
que não fiz nada disso.
Cheguei
no escritório na maior pose, e entreguei ao meu pai o pedido como se fosse a
coisa mais natural do mundo. Ele também fingiu - soube depois por minha mãe
que ele ficou orgulhoso - e disse: continue seu trabalho, e só volte no
final da tarde todos os dias, e não a cada pedido.
Foi
aí que, senhoras e senhores, tive que, de datilógrafo, virar vendedor. Na
Bahia!
O
clima, a música, a culinária, o futebol, o mar, os interesses, a forma de ser
das pessoas, etc., me pareceram componentes básicos para que eu desenvolvesse habilidades
de vendedor, estabelecendo a cada contato um “Momento da Verdade, ponto-chave
na arte de vender e estabelecer uma completa interação com o cliente (Richard Norman)”.
E
aí, com a minha vocação de datilógrafo, e 2º grau no mais rigoroso colégio da
Bahia, comecei a ajudar os clientes a resolverem seus problemas.
Um
não sabia calcular corretamente seus preços de venda, outro tinha uma marca
esteticamente horrível, outro precisava de equipamentos ou até informações que
não sabia onde nem como obter, além dos que precisavam de alguém, com eu,
torcedor do Bahia, para esculhambar.
Na
época, passei vender também, cal de pedra, telhas e tijolos, e os clientes eram as casas de materiais para
construção, e, na sua maioria torcedores do Galícia.
A
técnica era: se o Galícia ganhava, eu os visitava no dia seguinte, eles me
esculachavam e compravam alegremente os meus produtos. Quando o Bahia ganhava,
esperava uns dois dias para visitá-los. E aí, nem tocava no assunto.
Continuei
estudando, viajando, fazendo amigos e sobretudo lendo tudo que podia, sobre
tudo, e assim, naturalmente fui me tornando uma espécie de vendedor-consultor,
e a parte menos difícil, era a venda mesmo. Não esquecia um aniversário, uma
lembrança, um recorte de jornal do interesse de determinado cliente, ia de
batizado a enterro de parentes. Isso sem falar nas vezes em que chegava em casa
de madrugada, cheio de cana, comemorando uma grande venda - com o próprio
cliente - que às vezes, já comprava pensando na comemoração. Viva a Bahia!
Um
dia, após ter fechado um grande negócio, o cliente sentenciou:
-
Você é o melhor marqueteiro que conheço, mas também, o pior vendedor. Se fosse
outro, eu não pagaria esse preço nem por um decreto!
Acho
que ali, estava concluída a minha graduação.
Histórias
ou estórias à parte, vender na Bahia, é dispor do cenário ideal para exercer a
competência, habilidade, franqueza, cumplicidade e amizade.
Salvador, 09/08/2020
Rubem Passos
Segundo
www.amanhavaiseroutrodia.blog.br
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