SOYA – Aceita representar uma marca de óleo de soja?

Todos os sábados, pela manhã, hábito herdado do meu pai, eu ia para o escritório, com menos rigor no horário, e cuidava de assuntos administrativos e pendências que, durante a semana, não conseguia resolver por falta de tempo. Era só expediente interno, e a porta do escritório ficava fechada.

 

Estávamos no final de 1978, e meu pai falecera há poucos meses, quando tomei a decisão de procurar um novo local para instalar o escritório da nossa empresa, uma vez que, com a lembrança muito forte do meu pai – a sua mesa ficava em frente à minha – não estava conseguindo trabalhar direito. Era uma ausência por demais presente, ali naquela sala, e eu passava os dias querendo trabalhar fora dali, para tentar minimizar a força da sua ausência.

 

Consegui uma boa casa, em frente ao mar da Baía de Todos os Santos, e para lá mudei a empresa.

 

A casa pertencia a um amigo, ligado à família Paes Mendonça, e anteriormente sediava a Rádio Clube de Salvador.  Embora o proprietário preferisse vendê-la, consegui com que ele me alugasse, com a opção de compra no futuro.

 

Mandei consertar e pintar o que que fosse necessário, fui a São Paulo e comprei móveis novos. Em curto espaço de tempo, mudamos.

 

No fundo da casa havia um grande muro voltado para Avenida do Contorno, que me despertou a vontade de nele colocar como propaganda, as marcas que representávamos. E assim fiz. Mandei instalar várias placas de acrílico, luminosas, e mantinha-as acesas durante a noite. Em pouco tempo, nosso novo endereço ficou conhecido, ou talvez, reconhecido.

 

Como vizinhos, separados apenas por um pequeno edifício, havia o Restaurante Casa da Gamboa, considerado, então, a melhor comida baiana da cidade.

 

Waldomiro, nosso auxiliar de serviços gerais, ou office-boy, como na época eram denominados esses profissionais, me fazia companhia. Era o dia que ele faxinava o novo escritório. Hoje, Waldomiro, seo Waldo, Waldo ou Waldô, como o chamamos, com 55 anos de trabalho na R. Passos, está com 79 anos de idade, e continua trabalhando conosco. E nem pensa em parar. Tem mais disposição que muita gente com muito menos idade.

 

Pois bem, naquele sábado, a companhia tocou, e Waldomiro foi atender, já que a porta estava fechada. Passados uns poucos minutos, ele entra na minha sala e dispara:

 

- Seo Guga, tem aí um homem perguntando se interessa ao senhor representar uma marca de óleo de soja!

 

Meus amigos, não acreditei. Ou era milagre, ou brincadeira.

 

Óleo de soja é, até hoje, um dos produtos alimentícios que mais vende no Brasil, e seus fabricantes, raros; na sua maioria, grandes empresas multinacionais.

 

Eu estava vestido de bermudas e sandálias de dedo. Efetivamente não eram os trajes mais adequados para tratar do assunto, mas, imediatamente, “pulei” da minha cadeira e fui ao encontro do Sr. Célio Silva, o homem que me procurava, que era “apenas” o gerente nacional de vendas da CEVAL ALIMENTOS S/A., produtora do óleo de soja SOYA, recentemente posto à venda na Bahia pela rede de supermercados Paes Mendonça.

 

Ele se apresentou e me contou a seguinte história:

 

O senhor Mamede Paes Mendonça, informado do lançamento em São Paulo, do ÓLEO DE SOJA SOYA, foi a Gaspar, em Santa Catarina, conhecer a fábrica, e lá efetuou um grande pedido.

 

Tão logo os produtos foram expostos nas suas lojas, uma série de representantes comerciais de Salvador escreveram ou telefonaram, pleiteando a sua representação.

 

Este foi o motivo que o trouxera a Salvador, para entrevistar esses candidatos, e escolher aquele que seria o seu representante para os estados da Bahia e Sergipe.

 

Após ter feito as entrevistas, foi ao escritório do Paes Mendonça, e, lá, o seo Mamede determinou que um de seus filhos, José Augusto, o levasse para jantar.

 

Na hora marcada, José Augusto o encontrou no Hotel da Bahia, onde estava hospedado, e de lá dirigiram-se ao Restaurante Casa da Gamboa, nosso vizinho, famoso pela qualidade e sabor dos excelentes pratos da culinária baiana, que lá serviam.

 

Ao subir a ladeira que liga a Avenida do Contorno à Rua Gamboa de Cima, deparou-se com os nossos luminosos, como o nome R. PASSOS & CIA. LTDA., e os produtos por nós representados.

 

Ele perguntou ao José Augusto quem éramos, e, após ouvir boas referências a nosso respeito, resolvera nos visitar, uma vez que só voltaria no domingo para Santa Catarina.

 

Estranhara, inclusive, não termos nos candidatado, e eu respondi que não costumava fazer este tipo de abordagem. Imaginava, inclusive, que eles já tinham representantes.

 

Tivemos uma excelente conversa, contei a história da nossa empresa, nossos produtos, nossa equipe, e por fim, veio a notícia boa e a ruim:

 

- Rubem, a não ser que o meu diretor não concorde, gostei muito do que vi e ouvi, e o meu escolhido para nos representar é você, ou melhor, sua firma. Porém, temos um acordo com o seo Mamede, e a nossa representação não incluirá os negócios com o Paes Mendonça.

 

Na mesma hora, eu, que tinha o “sangue quente”, falei:

 

- Então, você procure outro representante. Eu não tenho interesse. Só tenho interesse se incluir o Paes Mendonça como nosso cliente.

 

O Sr. Célio, conversou bastante, explicando que o mercado era grande, que seria bobagem eu recusar, etc., mas me mantive firme na minha posição.

 

Encerrando a nossa conversa de trabalho, convidei-o a ir comigo ao Mercado Modelo, onde bebemos umas boas batidas de frutas, comemos alguns tira-gostos, e à noite fomos jantar no Le Bistrot, no bairro da Barra, onde comemos e bebemos bastante, contamos histórias de cada um, falamos das diferenças culturais entre as nossas terras, e, no final, parecíamos “velhos amigos”.

 

Já era bem tarde quando o deixei no hotel, nos despedindo. O voo dele estava programado para o início da tarde do dia seguinte.

 

Passaram-se alguns dias até que me ligasse:

 

- Rubem, o nosso diretor concorda com que você seja nosso representante, mas, quanto ao Paes Mendonça, ele pede que você venha conhecer a nossa empresa, e aqui, na fábrica, conversarmos a respeito.

 

Mais por educação que por otimismo, aceitei o convite e embarquei para Gaspar, SC, hospedando-me na vizinha cidade de Blumenau.

 

Era a primeira vez que viajava para aqueles lados, e o roteiro incluía uma parada em São Paulo, troca de avião, etc. No fim, passei quase o dia inteiro entre sair de casa e chegar a Blumenau. Na verdade, o destino era o aeroporto da cidade de Navegantes, e lá o Célio me aguardava para, de carro, me levar ao Hotel Hering, em Blumenau.

 

Pelo que soube, o Grupo Hering, um dos maiores da região, decidira investir em uma fábrica de óleo, aproveitando os recursos da FUNDESC . Assim nasceu a CEVAL.

 

Dia seguinte, conheci a fábrica, fiquei naturalmente encantado com o que vi e ouvi, conheci vários executivos, almoçamos no refeitório, conheci o fundador e presidente da empresa, o Dr. Vilmar Schürmann (*), e somente no final da tarde fomos recebidos pelo Sr. Ginaldo, o diretor comercial.

 

O escritório da CEVAL funcionava, ainda, no que fora o barracão de obra da fábrica. Mais espartano, impossível!

 

Apesar de que, aparentemente, o negócio “óleo refinado de soja em latas de 900ml” fosse um grande empreendimento, para a CEVAL, ainda era pequeno. O grande negócio era a exportação de soja e seus derivados: óleo bruto e farelo, principalmente.

 

O Sr. Ginaldo era extremamente ocupado, pediu desculpas, e quis encurtar a conversa, me dando boas vindas, disposto a encerrar logo, o assunto, da forma que havia proposto: Representação sim, mas sem Paes Mendonça.

 

E aí deu-se o impasse: eu disse que atendi o convite deles para conversar, mas que a minha posição permanecia a mesma: sem Paes Mendonça, não!

 

Quando o assunto já estava caminhando para um final sem acordo, falei:

 

- Vamos fazer o seguinte. Vocês dizem que o Sr. Mamede não aceita comprar com representante. E isso, vocês não podem mudar. A minha proposta é a seguinte: se eu conseguir vender ao sr. Mamede uma vez, a partir daí, vocês incluem o Paes Mendonça no meu contrato.

 

O Sr. Ginaldo estendeu a mão e falou:

 

-  Negócio fechado. Célio, providencie o contrato e prepare o baiano para a luta.

 

Fiquei mais um dia em Gaspar, aprendi o que pude a respeito do mercado de óleo, comodities, etc., e, no terceiro dia, voltei para Salvador, com o contrato assinado.

 

O trabalho que se seguiu foi intenso, prazeroso e bem-sucedido. Eu e minha equipe rapidamente conseguimos visitar e vender aos principais clientes, em grande parte, como resultado da excelente divulgação feita pelo Paes Mendonça. Ou seja, de alguma forma, eu estava ganhando, por causa do seo Mamede.

 

Eu visitava sempre o seo Mamede, por conta de outros produtos que vendia, inclusive sacos de papel. Era um grande cliente, de qualquer item que comprasse.

 

E eu falava sempre sobre vender-lhe o óleo SOYA, e ele ria, brincava, desconversava, e as vezes até se aborrecia comigo, quando tocava nesse assunto.

 

Em outras histórias que contei, sempre falo que o Pai do Céu é meu amigo, e sempre me empurra pra frente; mostra o caminho.

 

Assim, certo dia, a secretária do seo Mamede me mandou entrar na sala para falar com ele, ao mesmo tempo em que ele se levantava, dizendo que ia ao banheiro (lógico que ele foi tão delicado assim...).

 

Sentei-me na cadeira que ficava em frente à dele, e, juro, sem querer, vi uma anotação feita por ele com um preço escrito: ólio XX (assim mesmo)! Não tinha marca nem outra coisa escrita, mas era exatamente o preço que eu tinha sido autorizado a vender a outro grande cliente, da minha área.

 

Pensei: só podia ser da Ceval aquele preço!

 

Quando seo Mamede voltou, falei com ele o assunto que me tinha a tratar, e, ao levantar, falei:

 

- O senhor não ganha nada a mais, comprando na Ceval. Só quem perde sou eu. 

 

Ele olhou para mim, e disse:

 

- Se você pudesse me vender hoje, qual seria o seu preço?

 

Eu respondi:

 

- Se o senhor prometer que comprará, caso meu preço for igual o melhor que o que eles pedirão para vender direto, eu digo.

 

O seo Mamede era muito amigo do meu pai. Viajavam juntos, pelo menos uma vez por ano com as esposas, para fazer “estação de águas” na cidade de São Lourenço, em Minas Gerais, brigavam e se divertiam como amigos. E ele lamentou muito quando soube do falecimento do meu pai. Esse parêntese, é para registrar minha desconfiança, que este fato o amolecera um pouco. Ele poderia ter criado um caso com a Ceval e acabar conseguindo reduzir o preço, proporcional ao valor da comissão que eu iria ganhar. Mas, não. Ele falou:

 

- Tá certo.

 

E eu:

 

- XX por caixa.

 

Ele procurou a anotação que havia feito, junto com muitas outras, e disse:

 

- Pode tirar um pedido de 50.000 caixas, para mim.

 

Pensei até em perguntar qual o preço que ele já tinha, mas, lembrei de uma frase que aprendi no Colégio Militar (e peço desculpas para mencioná-la): “passarinho que canta muito, caga no ninho!” Preferi ficar calado!

 

Só faltei beijá-lo. Fiquei muito alegre mesmo!!!

 

Corri para meu escritório, datilografei o pedido, voltei ao seo Mamede, peguei a assinatura dele, e, de volta ao escritório, liguei para o Célio.

 

- Consegui, amigo. Estou com o primeiro pedido do Paes Mendonça, assinado pelo seo Mamede em mãos: 50.000 ao preço XX.

 

Ele me respondeu:

 

- Parabéns. Mas....eu já sabia! O seo Mamede me disse por telefone, depois de me dar uma esculhambada! Mas, tudo bem! Parabéns de novo. Você fez por merecer. Pode continua atendendo ao Paes Mendonça.

 

Algum tempo depois, encontrei com um conhecido, cuja família era muito ligada à família Paes Mendonça, que me falou:

 

- A representação da CEVAL era pra ser minha! Eu já estava de viagem marcada para Gaspar, quando recebi uma ligação do “FDP” do tal de Célio, cancelando o que ele havia combinado comigo.

 

Eu contei a minha história a ele: - fui procurado, no meu escritório......

 

Foram muitas alegrias e histórias que vivi, como representante da Ceval, hoje BUNGE.

 

Pretendo contá-las!

 

 

Salvador, 10/08/2020

 

 

 

Rubem Passos Segundo

rubem@rpassos.com.br

rubem@rp2solucoes.com.br

www.amanhavaiseroutrodia.blog.br

 

(*)http://www.grupodva.com.br/admindva/dvamagazine/revistas/d8cac7ae412923ca39bb0ee9a59b4322.pdf

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TOGA – REINVENTANDO O MESMO NEGÓCIO

XODÓ DA BAHIA – Quase tudo deu certo

BATES DO BRASIL - de porto seguro a fim de papo!