ARROZ NO PONTO TEM NO POSTO
Encontrei nos guardados da minha saudosa mãe, uma página amarelada do JORNAL DO BRASIL, do Rio de Janeiro, datado de 23/07/1992 (anexa), com uma matéria de ¼ de página, com, o título: Arroz é lançado, em posto Itaipava, e, abaixo do texto, uma foto minha com Richardson Valle, ladeando uma bomba de gasolina, com duas embalagens de 1kg de arroz sobre ela, e sob a foto, escrito: Valle (E) e Passos: idéia era diferenciar o lançamento.
Como não podia deixar de ser,
meus pensamentos viajaram até aqueles dias, quando, mais uma vez, pude
experimentar o sabor de uma venda inusitada, que, aliás, era o que eu mais
gostava de fazer.
Fugindo um pouco do assunto, esclareço
que, desde os 16 anos de idade, e até hoje com 72, sou vendedor. Iniciei neste
ramo por obrigação, perserverei por necessidade, e me mantive nele, por puro
prazer.
O detalhe é que, como
representante comercial, trabalhava com inumeras empresas e produtos ao mesmo
tempo, e, passado a fase inicial de cada contrato ou produto, a rotina que se
seguia não mexia com minha criatividade, que, modéstia à parte, era o que eu
mais gostava de trabalhar. Como vender um novo produto? Como convencer o
cliente a experimentar marcas que não conhecia? Isso, sim, eu gostava. E muito!
Vou tentar escrever alguns “cases” que vivi, e começo por este: ARROZ NO PONTO
TEM NO POSTO.
Com nosso escritório de Salvador
consolidado, resolvi prospectar o mercado do Rio de janeiro, com planos de lá
vender produtos baianos. Assim fiz.
Um certo dia, recebi um
telefonema de uma produtora de arroz do Rio Grande do Sul, a quem representava
na Bahia, com um proposta um tanto inusitada. Eles eram, representados no Rio
de Janeiro por um profissional ligado à família dos seus acionistas
majoritários, todavia, para o que ele pretendia, o meu perfil se encaixava como
uma luva. A proposta era que eu lançasse um novo tipo e marca de arroz
parboilizado no mercado, produzidos com os melhores grãos que se colhia no sul
do Brasil e recebia um tratamento especial no seu processamento, e
consequentemente seria mais caro que a média do mercado.
A “pegadinha” era a seguinte: caso
obtivesse sucesso na missão, findo o período de tempo definido para o teste de
mercado, eu teria ganho as comissões a que fiz jus pelas vendas que realizara,
e a partir daí, o produto seria descontinuado ou a representação da marca passaria
para o tal parente que me referi anteriormente. Justificou que não poderia
fazer diferente, uma vez que, por contrato, a empresa que os representava tinha
exclusividade de vendas em todo o estado do Rio de Janeiro, e mais; seria esta,
uma forma de demonstrar meu compromisso com a empresa, uma vez que eu já era
seu representante na Bahia e lá, muito bem remunerado.
Aceitei, porque não ví espaço
para negar, e ao mesmo tempo, imaginando o tamanho do desafio que teria: vender
no competitivo mercado do Rio de Janeiro, um produto diferenciado, com marca
desconhecida, e preços superiores às marcas tradicionais.
E assim, passei a ser o representante
de vendas do ARROZ NO PONTO, responsável pelo seu lançamento, como
mercado-teste, no Rio de Janeiro. Aliás, a responsabilidade era dupla, pois
seria também a primeira vez que testariam um produto em outro mercado que não,
Curitiba, considerado pela grande maioria das industrias nacionais, como ideal
para experiencias que envolvessem novos produtos.
Desliguei o telefone com a
sensação de que entrara “numa gelada”. Mas, não era mais o caso de discutir o
assunto. Missão dada é missão cumprida, como diria o Capitão Nascimento do
filme Tropa de Elite.
Poucos dias após, recebi as amostras
do produto, e, se não me engano, alguns folhetos explicativos do produto,
origens, tipo e processo, preços e sugestões para preços de venda.
Diferentemente do resto do Brasil, no
Rio de Janeiro, havia o Mercado São Sebastião, - de acordo com o site wikepédia - um
complexo atacadista localizado no bairro da Penha, que funciona como um centro
de distribuição de produtos para o resto da cidade. Várias redes de mercado e
empresas alimentícias possuiam (ou possuem?) galpões no Mercado São Sebastião,
além de transportadoras de cargas. Ele também servia de base para a Bolsa de
Gêneros Alimentícios (BGA), responsável pela definição de preços dos mais
variados produtos vendidos em prateleiras de supermercados. O preço de 80% de
toda comida que passava pelo Rio de Janeiro era negociado no Mercado.
Lá é que era o
verdadeiro centro nervoso para os compradores e vendedores de produtos da cesta
básica, as comodities, onde se fechavam os grandes negócios de produtos
como arroz, feijão, óleo de soja, etc. Ali,os vendedores tentavam convencer os
compradores a comprarem seus produtos, não raramente, com um concorrente nas
sua costas, sinalizando que tinham melhores preços ou condições.
Vários fornecedores ou
representantes, possuiam um box-escritório lá, o que era um diferencial,
inclusive de prestigio, e para onde, às vezes, conseguiam atrair o cliente para
um cafezinho e uma conversa menos barulhenta. Logo que tomei conhecimento desse
diferencial, apressei-me para alugar um para mim. O R.Passos – Rio. Alí, já há algum tempo, já vinha vendendo
outros produtos, com destaque para o óleo de soja SOYA.
Voltando ao nosso arroz,
me municiei de amostras e folhetos e fui ao mercado, tentar “vender meu peixe”.
Fracasso total! Nem pensar em vender uma marca nova, desconhecida, sem
propaganda e a preço superior às marcas líderes. Na verdade, eu tinha certeza
que isso era o que iria ocorrer. Mas, resolvi testar o argumento do diretor de
vendas do fabricante, que dizia que o prestigio da empresa e das marcas que já
forneciam ao mercado, facilitaria o meu tabalho. Lêdo engano!
De volta ao escritório, meu trabalho
agora seria planejar uma entrada no mercado por meios não convencionais. E,
quais seriam estes? E passei alguns dias “matutando”, até que me lembrei que
uma rede de postos de gasolina da cidade, era famosa no Brasil inteiro, por ter
sido pioneira em vender em postos, refrigerantes, cigarros, gelo em cubos,
cervejas, sorvetes e salgadinhos, e se não falha a memória, popularizou também
o conceito posto 24 horas. Tudo na pista
em pilhas ou freezers. Pensei: por que não arroz?
Como chegar lá? A esta altura, esta
rede já dispunha de lojinhas de conveniencia, e um departamento de compras para
abastecê-las. Mas, não era isso que eu precisava. Essas lojinhas compravam e
vendiam muito pouco, para as minhas pretensões.
Finalmente lembrei, que o meu querido
amigo, José Carlos Barcellos, então presidente da CISPER - maior fabricante de
embalagens de vidros do país – algumas vezes havia se referido a ele como
amigo. E fui a ele pedir que, ainda que por telefone, falasse com o dono da
empresa, Richardson Valle, pedindo que me atendesse, pois eu teria um negócio
que poderia interessá-lo. Na mesma hora, meu amigo e na época, meu futuro
padrinho de casamento, ligou para o Sr. Richardson, e marcou a minha visita.
Papai do Céu, como sempre, operou para
reforçar o “pistolão”. Havia marcado uma
visita a outro amigo querido, Jorge Giganti, então presidente da Coca-Cola, e
lá, comentei o que eu pretendia fazer e a ajuda que havia pedido e obtido do
Barcellos. Ele, então, imediatamente mandou a secretária ligar para o Sr.
Richardson, e reforçou: o Guga é meu amigo, etc, etc, e assim no dia e hora
marcada, estava na recepção do escritório da rede de postos Itaipava, para
reunião.
Ao entrar na sala fui saudado pelo
futuro cliente assim:
-Muito prazer! Pelo nivel dos seus
amigos, imagino que voce deve estar trazendo um negócio sensacional para nossa
empresa!!!
Gelei!
-É, sim, mais ou menos, acredito que
sim...............gaguejei!!!
E aí falei do arroz. Ele então me
disse que não teria problemas, e que mandaria o comprador me atender para
compra para as lojinhas. Então eu falei,
que não. Que eu queria vender na pista, na bomba se possível! Ele ficou espantado!
Expliquei então a minha necessidade. O
mercado do Rio comprava na sua maioria embalagens de 5kg, nos meios
tradicionais de atacados e supermercados. Eu planejava fazer um grande ação de
vendas, em embalagens de 1kg, com a intenção de, quem o comprasse, o fizesse
como experimento. Caso fosse bem sucedida esta “promoção”, certamente
conseguiria vender aos supermercados a embalagem de 5kg, que era ao final, o
meu objetivo. Como o posto não visava grandes lucros com as vendas desse tipo
de produto, poderia colocar uma pequena margem, e assim, provocar a compra por
impulso de quem estivesse abastecendo seu veículo. Por ser uma coisa inusitada,
certamente geraria midia, e isso era “música” para os ouvidos do Richardson, que
vivia permanentemente querendo “causar” para atrair movimento para seus postos.
Seria uma operação com prazo de validade, acho que foram 60 dias, e após isso,
o que sobrasse no posto, seria trasferido para as lojinhas, e pronto. O
objetivo teria sido conquistado! Ele levantou-se da mesa, e disse, vamos
alí! Neste momento, um outro diretor,
seu irmão, observou: - Richardson , nós podemos vender alimentos na pista? Ele
respondeu: - este é um problema para voce resolver!
E saimos em direção à Glória, onde
ficava a agencia de propaganda que o atendia.
Chegamos lá, o Richardson (a essa
altura já tinha me desobrigado de chamá-lo de senhor) explicou o que eu
pretendia e disse ao diretor da agencia: - crie uma campanha, pois eu vou
entrar pesado!!!
Saí de lá vermelho, com o rosto quente
e o coração disparado, antevendo o barulho que a minha idéia provocaria!
Voltei ao meu escritório, onde iria
aguardar informação do dia e hora que voltariamos à agencia, para ver a
campaha, e ligar para o fabricante relatando minha iniciativa e estágio em que
se encontrava, e pedir o melhor preço possivel!
Quando o diretor comercial ouviu,
incrédulo, me pediu um tempo para pensar, fez algumas perguntas, como o numero
de postos da rede (eram 11), mas não me pareceu animado.
-Isso vai dar problemas com nossos
clientes tradicionais...
Expliquei novamente que não, ao
contário, que eles comprariam após a campanha, a embalagem de 5kg, e que esta
promoção serveria para “falar ao mercado” a grande novidade da chegada do produto.
Meio indeciso, me disse que me daria
retorno.
Dia seguinte me ligou dizendo que o
diretor de marketing havia traduzido minha idéia, como “baboseira de
vendedor”. Mas que, ele compraria minha
briga. Mais um ponto a meu favor.
Passado alguns dias, recebi ligação do
Richardson, marcando hora para nos encontramos na agencia para conhecer e
aprovar a campanha de lançamento!
Na sala de reunião, o velho cavalete
com grandes folhas de papel, a primeira, claro, em, branco. Sentamos e o publicitário abriu a série de
dados iniciais, e, por fim, o fantástico slogan:
ARROZ NO PONTO TEM NO POSTO
A vontade foi de dar um grito e beijos
no cara!
Em seguida, apresentou as peças da
campanha: faixas, folhetos, camisetas, cartazes, assessoria de imprensa para
cuidar da divulgação, etc. Tudo
aprovado.
Dia seguinte, fomos em um dos mais
charmosos restaurantes, o QUADRIFOGLIO, conversar com sua dona Juarezita Santos, planejar o
cardápio para o almoço de lançamento da promoção, que seria todo feito à base
do arroz NO PONTO: da entrada ao grand finale, que seria um sorvete de
arroz, delícia concebida e produzida na famosa sorveteria do Jardim Botânico, a
MIL FRUTAS.
Não lembro das dificuldades que tivemos com a logística,
que não foram poucas, nem das complicações naturais surgidas a partir da
chegada da primeira carreta, trazendo 27.000kg de arroz.
Para economizar, vou resumir:
·
O almoço de lançamento foi um sucesso, e contou com a presença
dos mais importantes jornalistas de negócios e gastronomia do Rio, que se
encarregaram de produzir excelentes matérias sobre a inusitada promoção;
·
Independente dos clientes que compravam sem sair do carro,
após experimentarem o arroz doce, distribuídos por moças vestidas de baiana,
começaram a surgir cliente dirigindo Kombis e outros tipos de caminhonetes,
donos de pequenos negócios e restaurantes, que atraídos pela campanha e pelo
preço convidativo, compravam fardos e fardos de 30kg cada.
·
Todos os funcionários dos postos trajavam a camiseta da
promoção, e muitas foram distribuídas aos clientes;
·
Foi um corre-corre para atender a demanda, dificultada pela
rapidez das vendas e a distância, entre Pelotas, RS onde o arroz era produzido
e o Rio;
·
No final, foral vendidas mais de 300 toneladas de arroz,
através deste novo canal de vendas, e a promoção encerrada com sucesso total.
Quando a promoção estava no meio do caminho, me preparei
então para voltar a conversar com os compradores e dono de supermercados, na
Bolsa de Mercadorias.
Crente que estava abafando, quase apanho quando lá
apareci. Estavam revoltados por eu ter “inventado” uma concorrência que não
existia.
A muito custo consegui convence-los da vantagem para
eles, da promoção do posto, e, os pedidos começaram a sair, das embalagens de
5kg, conforme planejara. Duas redes, demoraram um pouco para aceitar. O
comprador de uma delas, nacional e de grande porte, só me receberia após
intervenção da diretoria da fábrica, junto à diretoria da filial Rio; e
comprou! O outro, rede de menor porte, cujo proprietário, tempos depois foi
sequestrado e desaparecido para sempre, só me comprou depois de ver que ficara
sozinho com a sua birra. Em suma: o objetivo fora alcançado, contra todas as
previsões lógicas. Esta é uma das delícias de ser vendedor!
Passado alguns dias, recebi um telefonema da secretária
do Richardson, dizendo que ele gostaria que eu fosse encontrá-lo no Mar Hotel,
em Ipanema, no dia seguinte às 17horas.
Trabalhei normalmente, como todo os dias, e às 17h lá
estava eu no Hotel, e me indicaram a sala onde estava sendo realizado um evento
dos postos Itaipava.
A recepcionista que estava na porta, pediu-me para
aguardar um pouco, e, logo em seguida, abriu a porta para que eu entrasse no
salão.
A cena foi a seguinte: De pé, lá estavam todos os
gerentes, encarregados e funcionários ligados a administração dos postos,
aplaudindo a minha chegada. Fiquei muito desconcertado, até porque carregava
minha pasta pesada de vendedor e não estava muito arrumado, como dizem os meus
conterrâneos.
Em seguida, o Richardson, Presidente da empresa, me fez uma
saudação, apresentou em números o sucesso da promoção, e me agradeceu por eu
ter mostrado, que quando queremos, conseguimos realizar qualquer sonho. (*)
Finalizou citando Raul Seixas:
Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é
realidade
Salvador, 18/07/2020
Rubem Passos Segundo
www.amanhavaiseroutrodia.blog.br
(*) Alguns dias ou semanas depois, foi
distribuido nos postos da rede Itaipava, um jornalzinho (anexo), divulgando “O
LANÇAMENTO” e “O RESULTADO”, que finalizava dizendo:
“Não devemos portanto, nos esquecer de
manifestar nossos sinceros agradecimentos ao Sr. Rubem Passos que, em nome da
Suprarroz, acreditou no nosso potencial e nos buscou como parceiros. Da mesma
forma que neste momento está nos buscando novamente para oferecer um outro
produto de alta qualidade como o leite Alimba (**) que, a partir de agora fará
parte de nossa linha de produtos.
(**).....esta já é outra história....😊


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