BATISMO AOS 18 ANOS / Vendedor-viajante

Em 1966, com 18 anos, faria a minha primeira viagem à região sul do estado da Bahia, mais precisamente às cidades de Ilhéus e Itabuna.

 

Acredito que, pela minha cara de menino, meu pai determinou que eu visitasse os clientes trajando terno e gravata.

 

Não lembro se coloquei no dedo, o anel de formatura que pedi emprestado ao filho de um amigo de meu pai que morava em Ilhéus, ou, se pedi e não usei. A ideia era me apresentar de forma a obter dos clientes, um mínimo de respeitabilidade, pois a cara não ajudava.

 

O maior cliente da região era a rede de supermercados Messias, e seu principal sócio e diretor da empresa, o sr. Ailton de Melo Messias.

 

Meu objetivo era vender-lhe sacos de papel e sacos plásticos.

 

O sorriso e o comentário inicial do sr. Ailton, a respeito da minha elegância, quase me derruba na entrada:

 

- Você com essa elegância toda, deve ser o filho do sr. Passos, não é?

 

- Sim sou. A partir de agora, sou eu que virei visitá-lo. Meu pai virá de vez em quando, mas a rotina de visita a cada 90 dias, eu farei.

 

A assim começou o atendimento, ele dizendo as dimensões e especificações dos sacos que queria comprar, pedindo preço, e determinando as quantidades que compraria.

 

Finda esta etapa, e com tudo anotado, eu deveria ir para o hotel, onde passaria para os talões de cada indústria, os pedidos do cliente, e voltaria à tarde, para que ele desse o seu “de acordo”.

 

Quando eu ia me levantando para sair, o Sr. Ailton falou;

 

- Me encontre hoje às 18 horas, no posto tal, na saída para Ilhéus, quando comemoraremos a despedida de solteiro de um amigo da região, e você será meu convidado. Leve os pedidos, que os assinarei lá.

 

Pontualmente às 18 horas, lá estava, sozinho, a espera dele e dos demais convidados. Os primeiros chegaram quase meia hora depois.  E finalmente, o noivo e o meu maior cliente!

 

Haviam sido juntadas uma série de mesas, um ao lado da outra, suficiente para umas 20 pessoas

 

 

 

O Sr. Ailton sentou-se na primeira cadeira, que ficava de costas para a parede, e ordenou:

 

- Você, senta-se aqui. E apontou para o lugar em frente ao dele.

 

E então começaram a servir cervejas, e mais cervejas, e tira-gostos para acompanha-las. Muita conversa, risadas, e, lá pelas tantas, avisaram que um viajante retardatário estava chegando.

 

Alguém, naturalmente incentivado pelos demais, tomou a iniciativa de recepcioná-lo com um banho com a mangueira de lavar carro, que estava ao lado da vaga onde o pobre coitado acabara de estacionar sua Kombi, toda pintada com produtos Nestlé! Era a prenda, por ter chegado atrasado!

 

E assim, parecendo um pinto molhado, o rapaz se juntou a nós.

 

Neste exato momento, o sr. Ailton olhou pra mim sorrindo, e falou:

 

- Você está achando graça, é?

 

E, ato contínuo, pegou o seu copo cheio de cerveja, e, simplesmente, me deu um banho. Despejou inteiro no meu rosto, e me molhou um bocado. Apenas o paletó e a gravata, escaparam, pois a deixara no meu fusca.

 

Eu era o tipo do menino-metido-a-homem. Por ser assim, e por defesa da minha honra!  Afinal, eu era um garoto em brincadeira de gente-grande.

 

Levantei-me, muito zangado mesmo. Estava com raiva e envergonhado com as gozações de todos. E me dirigi ao banheiro, onde lavei mãos, braços e rosto, tentei enxugar um pouco a camisa e a calça, contei até 10, e voltei lentamente à mesa.

 

A cabeça clamando por vingança, me levou ao balcão onde pedi uma garrafa de cerveja, das grandes, mandei abrir, e me dirigi à mesa, sacudindo-a como se fora champanhe, e com o polegar tampando a boca da garrafa. Apontei-a para o sr, Ailton e afastei o dedo. Dei-lhe uma rajada de cerveja do pé a cabeça, e aproveitei e molhei também mais uns tantos presentes.

 

O sr. Ailton, ria sem graça, e falava:

 

- Não vou mais assinar seus pedidos, seu moleque!!!

 

Eu não estava nem aí!!!

 

- Assine se quiser! Agora estamos quites!!!

 

E começou uma guerra de cervejas que acabou por encharcar todos os presentes, até que veio o comando:

 

- PAROU!!! PAROU!!!!!

 

 

 

Era o pobre do noivo que apelava e consegui que a turma parasse a guerra.

 

Tomamos a última rodada, a saideira, e cada um foi para sua casa, e eu para o hotel.

 

Sem nenhuma experiência em “guerra de cervejas”, coloquei a minha calça, camisa e cueca em um saco de papel, para providenciar lavar quando tivesse tempo (1).

 

Dia seguinte, peguei os pedidos e fui, a esta altura, sem paletó, ao encontro do cliente para ver se ele desistia da vingança, e assinava os meus pedidos.

 

Grande figura o Sr. Ailton, que virou simplesmente, Ailton, para mim, e um grande e fraterno amigo.

 

Ele falou:

 

- Você é ousado mesmo, em garoto? Aquilo que fiz foi o seu batismo como vendedor-viajante. Todos que começam nessa atividade por aqui, cada um de uma forma, são batizados!

 

E mais;

 

- Minha mulher não me deixou dormir no quarto. Tive que dormir no sofá. Estava “podre” de cheiro de cerveja! 

 

E assinou os pedidos!!!  Grande começo de carreira!!!

 

Algumas semanas depois deste fato, eu estava andando nas proximidades do nosso escritório, quando ouvi o barulho insistente de uma buzina, e um grito:

 

- PASSOS!!!

 

Avistei o Sr. Ailton, ao volante de uma Caravan, bege, que me chamou e falou:

 

- Você pode conseguir para mim agora, cem cruzeiros?  (2)

 

 Me senti importante! Um grande cliente me pedindo para ajudá-lo com um problema!

 

- Claro. Espere um minutinho que eu vou e volto aqui no escritório!

 

Apontei para nossa sala, que ficava no segundo andar do edifício em frente a onde o carro estava parado, para ele ver onde eu ia, e corri. Chegando lá, peguei o valor com a secretária, voltei correndo e entreguei-lhe o dinheiro.

 

Ele sorriu e falou:

 

- Esta é sua parte na conta da despedida de solteiro. Um abraço e até breve!!!!

 

Fiquei com cara-de-besta, como dizemos na Bahia, mas valeu a pena.

 

A partir daí, os supermercados Messias, passaram a ser o nosso maior cliente do interior do estado da Bahia.,

 

E eu, sempre que ia a Itabuna, pelo menos um dia, era convidado pelo sr. Ailton, para almoçar na casa dele, ou no restaurante da sua preferência.

 

Saudades, amigo!

 

 

 

 

Rubem Passos Segundo

Salvador, 20 agosto 2020

 

 

 

(1)     Dias depois ao levar o saco de papel em que guardei a roupa molhada para a lavanderia, para minha “surpresa”, ela estava toda embolorada. Perdi a calça e a camisa. Sobrou o paletó, que doei.

 

(2)     Valor “chutado”.

 

😏

Comentários

  1. Sempre penso nessa história com a cara de Jonas na hora do banho de cerveja! 😂😂😂

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