BRASILEIRINHO x AMERICANO

O ano foi, provavelmente, 1980.

 

Repesentávamos a maior indústria de embalagens de vidro do Brasil, que ingressara a cerca de dois anos no mercado chamado de “objetos de mesa”, no caso, copos.

 

O know how era de uma das empresas do grupo americano a quem pertencia, internacionalmente reconhecido pela qualidade e design dos seus produtos, e passamos a atuar como distribuidores dessa nova linha para todo o nordeste.

 

Sua linha ainda pequena, era composta de menos de uma dúzia de modelos, todos muito bem projetados, embalados de forma atraente, que se destacavam entre os demais existentes na época.

 

Era uma área de atuação bem grande, e viagens e trabalho era o que não faltava.

 

Mas, em termos de produtos, estávamos distantes do grande mercado de preços baixos, liderados por um ícone chamado COPO AMERICANO, aquele que todos os brasileiros conheciam, usados maciçamente nos botecos, bares, restaurantes, praias e residências de baixo poder aquisitivo. Um grande fabricante nacional liderava este segmento.

 

No meio disso tudo, recebi uma convocação para uma convenção de vendas da empresa, que seria realizada dentro de um certo tempo, em Angra dos Reis, conhecido município do litoral do estado do Rio de Janeiro, e muito famoso por suas praias e ilhas.

 

Chegando, encontrei varios colaboradores e representantes da empresa, e tivemos o nosso jantar de abertura, com os trabalhos a serem iniciados no dia seguinte, logo no primeiro horário.

 

Encurtando a história, neste dia nos foi apresentado o revolucionário modelo de copos que entraria em produção, destinado a brigar por uma fatia de mercado então dominada pelo concorrente. O nosso copo se chamaria BRASILEIRINHO, concorrente do AMERICANO.

 

Cada um de nós recebeu uma quota, isto é, o objetivo de vendas a ser atingido em cada região.

 

Os copos tinham um design - hoje posso comentar -, não muito atraente, para o meu gosto, o preço estava bom, mas, retornei a Salvador com a sensação de que a nossa arma não dispunha de balas suficientes para esta guerra.  

 

Seria muito dificil enfrentar o concorrente, junto aos seus clientes tradicionais, em especial os atacadistas, que compravam grandes quantidades para vender aos pequenos consumidores e varejistas. O copo Americano, assim como GILLETE, virara sinônimo do produto. Ninguem comprava caixas de copos para cerveja. Compravam caixas de copos AMERICANO.

 

Pois é, era esse o tamanho do desafio!

 

No meu escritório, a equipe de vendas estava ansiosa para começar a vender.

 

Eu tranquei as amostras no armário da minha sala, e disse que só sairia para vender com um plano muito bem pensado para conseguirmos bons resultados. Fora isso, nada. Não iríamos oferecer a nenhum cliente. E fim de conversa!

 

Passados alguns dias, recebi uma ligação do então gerente de vendas, cobrando as minhas vendas:

 

- Cadê você, baiano? Todo mundo está vendendo, menos voce, etc, etc.

 

Falei que tivesse um pouco de paciência, e que o objetivo determinado para mim seria atingido, e  dentro do prazo.

 

E nada de saber o que fazer.

 

Até que o Pai do Céu, como sempre fez comigo, me deu uma cutucada, e no dia seguinte, rumei para o escritório de um dos dois grandes distribuidores de cerveja Antarctica da região, e, lá chegando, pedi para falar com o diretor comercial, cujo nome sabia por conversas que ouvia de um amigo do ramo de supermercados. A secretária me perguntou o assunto, e eu falei que era amigo do tal supermercadista; ela entrou e saiu de uma sala próxima, autorizando a minha entrada na sala do chefe.

 

Quando me apresentei, notei que de alguma forma nós já nos conhecíamos de algum evento, e o gelo foi quebrado mais rapidamente.  Perguntei a ele quantos clientes ele tinha, e ele me respondeu que, entre barracas de praia, botecos, bares, pequenos varejos e similares, em torno de 18.000 clientes. Falei:

 

- Se voce vender uma caixa de copos a cada um já será o maior cliente da Bahia!

 

Ele então, jogou “um balde de água fria”:

 

- Rubem, infelizmente não posso comprar seus copos. O distribuidor Antarctica só pode vender produtos Antarctica, produtos DUBAR, empresa pertencente ao grupo, aguardente tal e água mineral tal, que são representadas pela companhia. Fora isso, nada. Por contrato, não posso vender outros produtos.

 

Perguntei então:

 

- E tem alguem que possa autorizar?

 

Respondeu:

 

- Sr. Fulano de Tal, Diretor Superintendente da Antarctica do Nordeste.

 

Saí dali, meio frustrado, e fui visitar o outro grande cliente, e a conversa foi a mesma. Tinha em torno de 18.000 clientes também (a região metropolitana de Salvador fôra dividida ao meio, cabendo a cada um dos distribuidores, 50% de clientes com potencial de compras).

 

Pois bem, só me restava procurar o tal Diretor, a quem conhecia de encontros da ADVB, Associação de Marketing e Vendas da Bahia, da qual era fundador e diretor.

 

Ele era um cara alegre, brincalhão que me recebeu me chamando de “meu diretor”, tomamos cafezinhos e, comecei a falar.

 

Expus meu plano e suas impossibilidades, pois dependia dele autorizar ou não. Ele me respondeu que gostaria muito de poder me ajudar, mas isto estava fora da alçada dele. O máximo que ele poderia fazer era sugerir à matriz e aguardar uma resposta a qual, pela experiencia que tinha, dificilmente seria outra que não uma negativa.

 

Não sei de onde tirei a coragem para fazer a pergunta seguinte:

 

- E se você “fechar os olhos”?

- Como?

- Deixar os dois venderem sem sua aprovação?

 

Ele riu e perguntou:

 

- Você tem emprego para mim se eu for demitido?

 

Eu insisti: Faríamos um teste, e se bem sucedido, talvez fosse mais razoável conseguir a autorização, e blá blá blá, etc etc etc....

 

Ele então falou:

 

- OK, vá em frente!

 

E eu, com a maior cara de pau pedi;

 

- Ligue para eles! 😏

 

Ele não aguentou:

 

- Rapaz, voce quer me complicar mesmo!!!

 

Mas, ligou. Para os dois:

 

A conversa foi mais ou menos assim:

 

- Estou com o Rubem ao meu lado. Se vocês aceitarem a proposta dele, não estou sabendo de nada! Caso alguem da matriz tiver conhecimento, vocês terão que parar, ok?

 

E assim, foi.

 

Dia seguinte, vendi para cada um, como preimeiros pedidos, pelo menos o dobro da minha cota total.

 

Em seguida, fui a uma grande loja de supermercado, e comprei dois liquidificadores, dois aparelhos de som 3 em 1, e dois rádios para carro cujas marcas estavam na moda.

 

Marquei, nas duas empresas, reuniões com todos os vendedores, apresentei o produto, preços etc, e lancei um concurso. Do primeiro ao terceiro lugar, de cada distribuidora, por volume de vendas, os vendedores seriam premiados com aqueles itens.

 

E assim, mesmo antes das empresas receberem as quantidades pedidas, os vendedores já tinha vendido mais ainda, e assim, os pedidos foram se sucedendo. Vendemos muito, mas muito, mesmo.

 

Não havia barraca nas praias, que não estivessem usando os nossos copos! Foi, perdoem a modéstia, uma distribuição horizontal, perfeita.

 

De um dia para o outro, sem nenhum anúncio ou propaganda em rádio ou tv, a cidade conhecia o BRASILEIRINHO!

 

Ganhei uma placa comemorativa do feito, quando da visita que me fizeram, o presidente e o diretor comercial da fabricante, enfim, todos felizes com essa super venda.

 

Fizemos almoços com os clientes, equipes, etc.

 

No primeiro mês, vendemos mais de vinte vezes a quantidade prevista como nossa quota!

 

Algum tempo depois, conseguimos introduzir na linha de produtos destes clientes mais três tipo de copos: chopp, água e whisky.

 

O que aconteceu depois, já não faz parte dessa história.

 

Recordar é viver, né não?

 

 

Salvador, 22/07/2020

 

 

Rubem Passos Segundo

rubem@rpassos.com.br

rubem@rp2solucoes.com.br

www.amanhavaiseroutrodia.blog.br




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