FILTROS DE PAPEL MELITTA – MUDANDO HÁBITOS
Eu tinha pouco mais de 22 anos de idade, e já trabalhava como vendedor da empresa do meu pai, há cerca de 6 anos.
Viajava muito, em busca de clientes e negócios para
embalagens de papel e plástico, que era o forte do nosso negócio. Infelizmente,
para mim, os grandes clientes, tais como indústrias de cimento, cacau, cal de
pedra, etc., eram atendidas por meu pai. A mim coube fazer novos clientes. E
era difícil mesmo. Mas, o tempo foi passando, e eu já tinha feito uma boa
carteira de clientes, e, em paralelo buscava oportunidades no segmento de
produtos de consumo, que, com a expansão do modelo de auto-serviço
(supermercados), era muito promissor.
Eis que, no jornal A Tarde do domingo, leio um
grande anúncio, procurando representantes para uma multinacional, fabricante de
produtos de consumo, de grande sucesso no mundo inteiro, que em fase de desenvolvimento
dos seus negócios no Brasil, pretendia nomear um representante para atuar nos
estados da Bahia e de Sergipe.
Mostrei ao meu pai que, em princípio, não se
entusiasmou. Mas, sabendo que eu precisava encontrar novas representações para
ajudar no faturamento da empresa e no meu próprio orçamento, uma vez que, já
tinha casado, e acabava de ganhar, uma linda menina.
A ideia de ir ao um hotel, entrar em uma fila para
ser entrevistado, não agradou mesmo, ao meu pai, mas fomos.
Lá chegando, havia pelo menos uma meia dúzia de
candidatos, e prometia mais, uma vez que, pelo que dizia o anúncio, as
entrevistas se dariam durante todo o dia.
O entrevistador e gerente nacional de venda, era um
tipo meio irônico, e percebi logo a impaciência do meu pai com o tal sujeito.
Ele passou a se dirigir acintosamente a mim, e me deixou completamente sem
jeito, sentindo o olhar aborrecido que meu pai a essa altura dirigia a nós dois:
ao gerente e a mim! Dureza!
Então, ele tira de uma caixa amostra de filtros de
papel, porta-filtros e jarras de vidro refratário. Era a linha de produtos, e o
fabricante chama-se MELITTA DO BRASIL. Empresa de origem alemã, presente até
então, em mais de 120 países.
Informou que, já eram representados na Bahia por
outra pessoa, há cerca de um ano, mas, com muito pouco resultado. Ele estava
convencido, que o atual representante, embora esforçado, não tinha “comprado” a
ideia que a MELITTA chegara para revolucionar o mercado, cujo hábito arraigado,
era de se coar o café em sacos ou coadores de pano, e trabalhava seus produtos
como se fossem mais um.
O novo representante deveria entender isso, e
partir para cima, determinado a mudar isso: o café deveria ser coado, com os FILTROS
DE PAPEL MELITTA. E a MELITTA, faria a parte dela, com excelentes produtos,
condições de venda, propaganda e promoções.
Finda a entrevista, o gerente nos informou que, no
dia seguinte, definiria quem seria o representante selecionado, e então, nos avisaria.
Na volta para nosso escritório, meu pai comentou
que não gostou mesmo, do tal homem, e que o desafio seria grande, caso fôssemos
escolhidos. A empresa e os produtos o impressionaram bastante, ele que gostava
muito de novidades e inovações.
Eu procurei enaltecer a empresa e os produtos, e
não valorizar o gerente, para não piorar o quadro, no caso de sermos os
escolhidos.
E não deu outra. Dia seguinte, próximo ao horário
do almoço, lá estava o sr. ADVJ (*), no balcão de entrada da nossa grande sala,
pedindo para falar com o sr. Rubem Passos.
Dirigiu-se à mesa do meu pai, cumprimentando-o com
um aperto de mãos, sentou-se, e pediu a ele que me chamasse para a conversa. E
falou:
- Sr. Passos, gostei muito das referências que
obtivemos da sua empresa, e tenho certeza que a Melitta seria bem representada
por ela. Todavia, percebemos que o
perfil do seu filho, se adequa perfeitamente ao tipo de profissional que
precisamos. Assim, caso o senhor concorde com que ele seja o responsável pelos
nossos negócios na Bahia e Sergipe, vocês serão nomeados imediatamente como
nossos representantes.
Não lembro de maiores dificuldades colocadas por
meu pai, que disse ser justamente o seu desejo, o de criar dentro da nossa
empresa, um novo segmento de negócios, a ser trabalhado por mim.
Mãos apertadas novamente, agora como sinal de
“negócio fechado”, e o gerente se despediu - pois seu voo de volta para São
Paulo estava programado para o final da tarde -, falando que estaria mandando
as passagens, para que eu fosse a Guarulhos, SP na semana seguinte, para
treinamento.
Viajei, conheci a fábrica, que por acaso, não
produzia ali os filtros de papel, somente os porta-filtros, além de cuidarem
das embalagens das jarras e conjuntos que compunham sua linha de produtos. Os
filtros de papel eram produzidos na época por terceiros, e só, anos mais tarde,
seriam fabricados pela própria Melitta.
Diferente de tudo que eu fazia antes, a “alma” da
venda da Melitta, estava na demonstração física dos seus produtos. Autorizado e
orientado pelo gerente, fui visitar o representante recém destituído, para dele
receber, o que possuía de amostras e materiais de promoção e merchandising,
inclusive os balcões de demonstração. O tal senhor, queixou-se da dificuldade
que encontrara para vender um produto tão especial, por causa do hábito de toda
a nossa população, de coar o café, usando coadores de pano. Reclamou ainda, e
isso me lembro bem, que “logo agora que iria começar a ganhar dinheiro, eles me
tiraram a representação”. Lamentei, e passei-lhe o nosso endereço, para que ele
para lá encaminhasse as demonstradoras e promotores, funcionários da Melitta,
que estavam sob sua responsabilidade, e que passariam para a minha.
A esta altura, já tínhamos providenciado uma Kombi,
que faria o transporte dos balcões de um lado para o outro da cidade.
Poucos dias depois, recebemos a visita de uma
senhora alemã, muito simpática, que viera para selecionar mais algumas
demonstradoras, e treiná-las.
O papel das demonstradoras, era trabalhar em um
balcão, nas melhores lojas e supermercados das cidades onde vendíamos os
produtos, oferecendo cafezinhos e explicando o sistema, com um texto, decorado,
que não permitia improvisações.
O consumo de pó de café era alto, e como conhecia
as principais torrefações de café da minha região, e com autorização da
Melitta, expunha a marca deles sobre o balcão, e eles nos forneciam
gratuitamente o café para as nossas demonstrações. A demonstradora não poderia
falar nem recomendar a marca do café. A cada mês, eu trocava de parceiro. E
assim, a nossa relação com todos os torrefadores, era a melhor possível.
Era um tal de carregar balcão, botijões de gás,
fogões, e a “tralha” toda necessária às demonstrações, e, ganhar dinheiro, que
é bom, muito difícil. As donas de casa, apesar das propagandas e trabalho nos
pontos de venda, relutavam em aderir à nova moda. Coar café com filtros de
papel, que só se usava uma vez, e todo mês tinha que comprar uma caixinha. O
principal esforço, era fazer com que elas comprassem o porta-filtros, utensílio
fundamental para a utilização dos filtros.
Alguns meses após o início dos nossos trabalhos,
fomos visitados pelo Sr. ES,
gerente-geral da empresa, quando pude conversar bastante, e disse a ele:
- Chefe, se não dermos de presente um “monte” de
porta-filtros nos melhores bairros de Salvador, com uma caixa de filtros, vamos
demorar muito a conseguir “virar este jogo”.
Lembro bem que ele, de branco ficou vermelho, sorriu
e falou:
- Você tem alguma ideia, de quanto custaria uma
operação dessas?
Eu falei:
- Pare alguns meses de fazer propaganda na
televisão daqui, e use estes recursos Para isso. Será que não daria?
Estou contando esta história, vivida por mim há 50 anos
atrás. Certamente terei esquecido alguns fatos e números.
Não me lembro se foram 10 mil, 50 mil, ou 100 mil.
O fato é que, a Melitta contratou uma empresa multinacional, que fazia este
tipo de serviço, e distribuiu, casa-a-casa, porta-a-porta, como era o nome
técnico, nos bairros de maior poder aquisitivo da cidade de Salvador, milhares
de conjuntos compostos de um porta-filtro e uma caixinha com 10 filtros de
papel, e um folheto explicativo de como funcionava.
O aumento nas vendas, nos meses que se seguiram,
foi espetacular. Tanto de filtros, quanto de porta-filtros e tamanhos diversos,
conjuntos, jarras e adaptadores para garrafas-térmicas. E a propaganda na TV,
não parou.
O crescimento das vendas das cidades do interior,
também foi acelerado. Levamos balcões para as maiores cidades, contratei
demonstradoras nas regiões, a propaganda foi estendida para o interior também e
para revistas nacionais, e assim, em pouco tempo, estávamos deixando os
coadores de pano para trás.
Engraçado foi ouvir de alguns amigos, que eu era um
cara de sorte, por ter conseguido uma excelente representação para trabalhar!
Verdade. E foi mesmo!
Eu queria era ver, eles “ralarem o que eu ralei”
para transformar a “carne-de- pescoço, em filet-mignon”!
Muitas emoções vivi ainda com os lançamentos
seguintes, sendo os principais, a Cafeteira Elétrica, e, o Café Melitta
empacotado à vácuo.
Depois eu conto!
(*) O gerente de
vendas que me contratou, anos mais tarde, foi demitido da Melitta e eu o
contratei para trabalhar comigo com gerente de vendas. Durou pouco. Muita
conversa e poucos resultados. Logo voltou para São Paulo.
Salvador, 04/08/2020
Rubem Passos Segundo
www.amanhavaiseroutrodia.blog.br
https://revistacafeicultura.com.br/?mat=28847
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